Astrônoma inglesa inspira programa que leva ciência a escolas públicas

''O Sol não tem a mesma composição da Terra. É formado, essencialmente, por hidrogênio'', ecoou a voz de uma jovem mulher, em 1925.
A voz era de Cecilia Payne, astrofísica nascida na Inglaterra em 1900 que, mesmo sem títulos oficiais, teve a coragem de desafiar as teorias que existiam, até então, sobre a formação da estrela central do nosso sistema solar.
A tese de doutorado apresentada, há quase um século, na atual Universidade de Harvard, dizia que ao contrário do que se pensava, o Sol não tinha composição majoritariamente de ferro.
A voz de Cecilia foi rechaçada e refutada. Somente anos mais tarde teve o seu feito validado após reconhecimento pelo astrônomo Henry Norris Russel. Hoje a descoberta de Cecilia é tida como um marco na astronomia e, em especial, no estudo das estrelas.
Cecilia Payne saiu da Inglaterra para os Estados Unidos em busca de oportunidades em ambientes considerados masculinos: a Academia e a Ciência. E, mesmo na América, onde resolveu desenvolver sua carreira, enfrentou discriminação para o reconhecimento de títulos como o de astrônoma, para equiparação salarial e ocupação de um cargo oficial como professora.
Contra todas as adversidades, Cecilia foi a primeira mulher da história a ocupar a direção do departamento de astronomia na Universidade de Harvard, antes de se aposentar.
Programa Cecilia
ados mais de 40 anos de sua morte, Cecilia Payne reverbera aqui no Brasil: a Universidade de São Paulo (USP) criou um programa batizado com o nome da cientista. O Cecilia leva ciência e, em especial, a astronomia, geofísica e ciências atmosféricas para dentro das escolas públicas, pelas mãos da astrônoma Elysandra Cypriano.
"O projeto faz referência a astrofísica que descobriu que o Sol era composto basicamente por hidrogênio. Naquela ocasião em quem ela descobriu isso, acreditava-se que o Sol tinha a mesma composição da Terra e foi bastante polêmico. Na época ninguém acreditou nela e ninguém fez jus de fato à grandiosidade da Cecilia. Então, a gente fez uma homenagem a ela”, conta Elysandra.
Além da referência à inglesa, a astrônoma da USP destaca que este também é um projeto que remonta à sua própria história, com dificuldades e desafios, e permitindo que estudantes possam trilhar um caminho mais leve.
"Eu fui uma criança de escola pública que teve pouco o. Eu só fui conhecer a astronomia de fato quando eu já era bem mais velha, já na faculdade. Eu fico imaginando como seria se eu tivesse tido o a várias coisas que eu proponho nos meus projetos. Como seria eu criança? A minha trajetória seria diferente. Então, quando eu penso na minha trajetória de vida, eu tenho muito orgulho de onde eu cheguei. Porém, se olhar para trás, se eu tivesse tido o ao que não tive, talvez teria sido diferente. No mínimo, mais leve e talvez chegasse até um pouco mais longe. Porém, agora na posição de professora, eu consigo olhar pra trás e ver como eu posso auxiliar essas crianças que nunca tiveram o a este tipo de material para que o caminho delas seja um pouco mais leve", destaca.
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Mulheres na astronomia
Tornar esta caminhada mais leve é também um dos desafios para as mulheres. ''O desafio das mulheres é o enfrentado em todos os contextos da sociedade. A meu ver, o problema da mulher na ciência é o problema geral da mulher em todos os aspectos. É uma luta diária. Ao longo da história da mulher você pode encontrar vários momentos de resistência. Você vai no ado eram coisas tenebrosas e já evoluímos bastante, graças ao trabalho de mulheres que vieram antes de nós. Cabe a nós pensar o que fazer para deixar o caminho das próximas mais leve. Isso vale em todas as áreas. Na ciência, o diferencial é que somos poucas e estamos inseridas em um ambiente mais masculino”, ressalta a astrônoma.
Para esta sensação de não pertencimento, aflorada ainda mais na universidade, Elysandra ressalta a importância dos coletivos, como o Astrominas, outro programa ligado à USP que envolve mulheres em diferentes momentos da carreira: "Você buscar pessoas que estão na mesma situação. Se aproximar de outras mulheres. Tentar tornar aquele lugar um pouco mais compressivo para você. Se perceber como parte daquilo. É aquela história do juntas somos mais fortes. Então, a grande dificuldade é eu estar sozinha e lidar com essas questões introjetadas na nossa existência".
Sobre as personalidades que a inspiraram, a astrônoma conta que que foram várias ao longo da vida, mas que sua mãe e avó e este ambiente feminino em que cresceu no qual "a mulher era muito poderosa" são referências. Também cita a renomada astrofísica brasileira Beatriz Barbuy, por quem, dentre as diversas professoras que aram por sua trajetória, tem um apreço em especial. Mas ressalta que cada mulher é única e que seu modelo deve ser você mesma.
“Cada um tem sua trajetória. É legal irar mulheres, por que mulheres são iráveis, mas não necessariamente seguir um modelo. O seu modelo tem que ser você mesma, baseado na sua história, naquilo que te faz feliz, naquilo que faz o seu coração bater mais forte”, conclui Elysandra

